segunda-feira, 22 de fevereiro de 2010
Como as vacas viram bife
Não é difícil imaginar por que a indústria da carne não deixa nem o mais entusiasta dos carnívoros chegar perto de seus matadouros. Até mesmo nos matadouros onde o gado morre rapidamente, é dificil imaginar um dia sem que vários animais (dezenas, centenas?) sejam mortos de maneira horripilante.
Num matadouro típico, o gado é conduzido por uma rampa até um receptáculo cilíndrico por onde sua cabeça vai se encaixar. O funcionário encarregado de abater, ou chamado “batedor”, atira com uma pistola pneumática entre os olhos da vaca. Um parafuso de aço penetra o crânio do animal normalmente levando-o à inconsciência ou à morte. Às vezes o tiro só atordoa o animal, que permanece consciente ou mais tarde acorda enquanto está sendo “processado”. Vamos ao que interessa aqui: os animais são sangrados, pelados e esquartejads enquanto conscientes. Isso acontece o tempo todo. A combinação velocidade de linha de produção, que aumentou 800% nos últimos 100 anos, e o pouco treinamento dos funcionários, que trabalham sob péssimas condições, é garantia de erros.
Em 12 segundos ou menos, a vaca que recebeu o tiro de pistola vai para o final da rampa e chega até o próximo funcionário, que vai amarrar uma corrente em volta das pernas traseiras e assim levantar o animal, deixando-o pendurado. Ele é agora mecanicamente transportado até o próximo funcionário, que corta as artérias da carótida e a veia jugular no pescoço da vaca. Ela é transportada novamente até a linha de sangramento, onde seu sangue será drenado por vários minutos.
Cortar o fluxo de sangue que irriga o cérebro do animal vai matá-lo, mas não instantâneamente. Se a incisão for feita de forma errada, isso pode restringir o fluxo de sangue, prolongando ainda mais o estado consciente do animal. “Eles piscam os olhos e esticam o pescoço de um lado pro outro, desesperados”, explicou um funcionário.
A vaca então é transportada pela linha até o “pelador de cabeças” - a parada onde a pele da cabeça do animal é arrancada. A porcentagem de gado ainda consciente nesse estágio é baixa, mas não é zero. Um dos funcionários acostumados com esse procedimento explicou: “Muitas vezes o “pelador” percebe que o animal ainda está consciente e começa a chutar enlouquecidamente. Se isso acontece, o pelador enfia uma faca na parte de trás da cabeça do bicho pra cortar a espinha”.
Essa prática, descobriu-se, imobiliza o animal, mas não o torna insensível. Não dá pra saber quantos animais passam por isso porque ninguém tem permissão de investigar isso a fundo.
Depois do pelador-de cabeças, a carcaça (a vaca) passa pelos encarregados das pernas, que são os funcionários que cortam as partes inferiores das pernas do animal. “Já os animais que voltam à vida nessa parte do processo”, disse um dos funcionários, “parece até que eles tentam escalar as paredes. E um funcionário não vai querer esperar até que chegue alguém lá pra tentar matá-los, então ele simplesmente corta a ponta das pernas com um tesourão. Quando se faz isso, o gado fica maluco, chutando pra todos os lados”.
O animal então é completamente pelado, eviscerado e cortado ao meio, e a essas alturas ele finalmente já está parecido com o bife - aquele que a gente vê pendurado na geladeiras e freezers, assustadoramente imóvel.
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O original desse texto, assinado por Jonathan Safran Foer, foi publicado hoje no periódico britânico The Guardian. O título, em inglês, é "How cows become beef". Tradução minha. Clique aqui pra ler o artigo original em inglês.
Foer é o autor do best seller "Eating Animals".
Atualização: a querida Adriana Lisboa é a responsável pela tradução para o português do livro "Eating Animals". Fiquem de olho aí no Brasil porque vai sair pela editora Rocco ainda este ano.
Andrea, já não me lembro se comentei com você que estou traduzindo o Eating Animals para edição no Brasil. Vai sair ainda este ano pela Rocco. E vamos torcer pra que muita gente leia - e se toque. beijos grandes
ResponderExcluirÉ verdade, Adriana! Que ótimo! Me avise quando sair, por favor!! Tô na fila esperando pra pegar o original na biblioteca aqui perto de casa. Curiosíssima.
ResponderExcluirÀs vezes é difícil pra mim mesma acreditar que até pouco tempo eu achava que vaca era comida. Sad.
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